Exclusivo: Higer aposta no monobloco elétrico urbano

Higer Bus

Reportagem exclusiva publicada, originalmente, na primeira edição da Revista MTED.

Chinesa namora o mercado brasileiro e busca investidores que representem a marca regionalmente para atender as especificidades de cada aplicação

Por Gustavo Queiroz

A Higer é uma montadora chinesa de ônibus e vans, com produtos urbanos e rodoviários com propulsão a diesel, híbrida e diferentes possibilidades de motorização elétrica. Com capacidade instalada para produzir 40.000 veículos anualmente, incluindo uma fábrica oriunda de uma joint-venture com a Scania, a Higer usa os seus tentáculos para agarrar novos mercados.

Com operações sólidas fora da China através da exportação para África, América Latina e até Europa, incluindo a Rússia, a Higer decidiu que o Brasil é um mercado estratégico para suas atividades no continente e, mais importante ainda: vai entrar com produtos monoblocos para o mercado urbano de ônibus elétricos.

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Marcelo Barella, diretor para a América do Sul da Higer Bus.

Marcelo Barella, diretor de Operações para a América Latina da Higer Bus, fez uma importante reflexão sobre o mercado de ônibus e revela, com exclusividade, os próximos passos da empresa no Brasil. Segundo análise do executivo, o empresário do setor de ônibus, seja do segmento urbano ou do rodoviário, já compra o veículo pensando em sua revenda. “Isso atrapalha um pouco a entrada dos chineses, aqui”, opina.

O mercado de ônibus caiu muito, no Brasil, ao longo dos últimos anos. Em 2018, o setor pode fechar com cerca de 14 mil veículos comercializados. “Trata-se de um cenário muito inconstante para se introduzir uma marca. Então, nós decidimos não entrar, neste momento, com ônibus a diesel. Mas, vamos começar a trabalhar com ônibus elétrico, que vai ser uma tendência em todos os lugares”, revela Barella.

Dedicada, exclusivamente, ao segmento de ônibus com propulsão elétrica, a BYD está desbravando este mercado no Brasil através de um trabalho bastante eficiente junto a autoridades e empresários. “O trabalho da BYD está sendo o de tirar as pedras do caminho porque, depois, os outros (chineses) vão entrar no país e isso facilita”, admite.

A China conta com mais de 50 fabricas de ônibus e com uma força de desenvolvimento “astronômica”, pois eles têm novos mercados para atingir. “Já estão em muitos mercados da Europa, da África, da Ásia… Os chineses têm uma capacidade e um conjunto de fornecedores que permite desenvolver novas soluções muito rapidamente, se comparados aos processos no Brasil”, analisa Barella.

Em determinado momento, Marcelo Barella visitou a antiga fábrica da Maxibus, em Caxias do Sul (RS), com a intenção de instalar a produção da Higer naquele espaço. “Falei com o prefeito, fiz um monte de coisas…, mas, na hora do vamos ver, o volume que a gente esperava fazer, mesmo com as exportações, não iria se concretizar diante das incertezas do mercado nos últimos anos. O número não justificaria o investimento em uma fábrica”, revela.

A Higer ainda não possui volume, ou previsão dele, que justifique a instalação de uma fábrica no Brasil. Se houver no futuro a necessidade de montar uma linha aqui no Brasil, a chinesa irá avaliar as questões de mercado pertinentes ao momento. Assim, decidiu rever sua estratégia para o Brasil.

Agora, o foco é formar parcerias com empresários dispostos a representa-la regionalmente. Não terá de ser necessariamente uma única empresa. “O mercado brasileiro de ônibus está na mão do setor privado e não do governo. Sabemos que o setor privado é muito técnico. Aqui, há grupos, como os portugueses, que estão espalhados pelo Brasil e dominam de tal forma o negócio, que é muito difícil ter quantidade e giro para introduzir uma marca nova”, explica Barella.

Ele reforça a aposta da Higer nos monoblocos e diz se tratar de uma tendência global de mercado. “Monobloco foi muito famoso, aqui, no Brasil. Eu sei, porque o meu pai trabalhou na Mercedes-Benz por 25 anos. Era o sistema monobloco até os modelos O 400, O 362, O 355 e O 371. Eram os monoblocos que reinavam. Eram ônibus muito bons”, recorda.

A Higer quer entrar com o ônibus elétrico urbano, única solução que considera viável, atualmente. “Apesar de termos preço e produto no segmento a diesel, a diferença de custo para o cliente não é tão significativa a ponto de escolher um produto importado da China. Na prática, ele sempre vai preferir o produto nacional”, revela.

Menos competitivo

O mercado sul-americano, que poderia sustentar a demanda de uma planta no Brasil, considerando que a Higer está presente em todos os países do Continente, também caiu muito nos últimos três anos, o que abala qualquer projeto imediato de produção local. Mesmo com os acordos comerciais que incentivam as exportações, o custo de se produzir no Brasil é muito alto.

O Brasil sempre foi a base de produção e abastecimento dos mercados da América do Sul, América Central e África. Isso, porque as casas matrizes dos chassis decidiram isso. Eles otimizam a produção para atender ao mercado brasileiro e também o de exportação.

“O Brasil foi muito importante para o segmento de ônibus. Mas, isso mudou. Os chineses começaram a ocupar esses mercados (de exportação). As fábricas chinesas são muito novas, todas de meados da década de 1990 para cá. Elas são muito jovens, mas, cresceram de uma maneira muito grande”, analisa.

O governo chinês tem uma política de exportação muito forte em que paga parte do que se exporta em bônus para o fabricante. Por isso é tão importante para a indústria chinesa exportar. Dessa forma, as corporações da China começaram a ocupar esses espaços. “Primeiro, foi a África e com uma diferença muito grande no valor do produto, 40% mais barato”, contou o executivo.

Marcelo Barella falou sobre a estratégia chinesa para expandir suas marcas para novos mercados e, assim, fortalecer a economia do gigante asiático. “Com exceção da África do Sul, que é um pais industrializado e moderno, o restante do continente é muito rústico. Esses ônibus não duram mais do que dois anos em países africanos. Então, o empresário prefere, ao invés de comprar um (ônibus) urbano brasileiro por US$ 100 mil, compra na China por US$ 60 mil, que vai durar os mesmos dois anos e depois joga fora e compra outro. Como a diferença é muito grande, o mercado brasileiro de exportação sofreu uma grande perda nas vendas. ”

O próximo passo foi a América Latina. Mas, a realidade desse mercado é mais complexa. Países como o Chile, Equador e Colômbia não possuem produção nacional e precisam importar 100% de tudo. Mas, eles perceberam que um motor Cummins é tão bom quanto um de montadora, só que muito mais barato para reparar. Por isso os chineses começaram a ganhar espaço”, explicou. “Não só a Higer, mas a KingLong, a ZhongTong e outras passaram a ocupar esses mercados”, completou.

A Higer confia que o mercado brasileiro voltará a crescer. Entretanto, o chinês prefere produzir na China e exportar. Dificilmente, ele investe em produção em mercados diversos. “Nós temos um ponto de produção na Venezuela, porque um cliente lá comprou 800 ônibus de uma vez e pagou à vista. Então, a gente produz lá e está indo muito bem, apesar da situação do país. A produção atende apenas ao mercado local”, contextualizou.

Barella revela que a Higer está desenvolvendo o projeto de um Double Decker para a América Latina. Esta região compra toda a linha da marca, especialmente os produtos a diesel. Atualmente, há um híbrido em teste na Colômbia.

“A Higer tem um DNA rodoviário. Especialmente, em virtude da parceria com a Scania, muito voltada para o mercado externo. Por isso, estamos desenvolvendo produtos com as especificações dos mercados mais importantes, como África e América Latina”, contou. A

Higer exporta cerca de 3.000 ônibus por ano, o que corresponde a cerca de 10% da sua produção. Desse total, de 500 a 600 unidades vem para as Américas em ano bom. O restante segue para a África e o Oriente Médio. A Rússia também é considerada um mercado importante. Na Europa, a marca atua com produtos mais sofisticados.

A América Central é considerada uma região muito interessante, pois tem mercados que ainda aceitam produtos com Euro II e Euro III, muito mais baratos do que os Euro V feitos no Brasil.

Mas, não é só preço. Os produtos chineses, muitas vezes, são equipados com componentes de renome internacional. “A Higer trabalha com fornecedores como Wabco, ZF, Cummins, Thermo King, bancos da Marcopolo, etc. Ou seja, temos um carro muito confiável e mais barato”, disparou. “Além disso, a Higer trabalha com a garantia dos chassis, sempre. Concorrentes, muitas vezes, tiram essa garantia para baixar o preço da negociação com o cliente, que fica na mão quando surgem os problemas”, acrescentou.

No Brasil

A Higer não tem pressa para estabelecer as suas atividades no Brasil. “Estamos super bem na América Latina. Queremos fazer uma coisa bem-feita. Por isso, vamos trazer o monobloco”. A estratégia comercial é apresentar a Higer como uma empresa de tecnologia detentora de soluções personalizadas. “Tem projetos em aeroportos, em cidades pequenas, onde se pode montar uma ação bem estruturada para dar certo”, conta Barella.

De acordo com a visão da Higer, se importar somente os chassis, ficará dependendo da venda pelo encarroçador. “Isso é um risco para eles (BYD) porque, de repente, chega outra fábrica chinesa com um produto igual só que 20% mais barato. Você acha que a Marcopolo vai comprar de quem? Compra BYD porque é a única elétrica que tem. Mas, se começam a chegar mais concorrentes no elétrico, tudo o que a BYD fez foi abrir as portas para os outros chineses”, especula o executivo.

A Higer não desenvolve baterias. Para atuar no Brasil, planeja operar em nichos com soluções especificas, como o projeto de um supercapacitor, em que o ônibus carrega no ponto, por um ou dois minutos, e segue sua rota por mais alguns quilômetros até o próximo ponto de recarga. “O empresário quer disponibilidade do produto 24h por dia. Ele não quer ter que parar para carregar uma bateria durante 8h”, afirma Barella.

Marcelo Barella apresenta a Higer como uma empresa de tecnologia com soluções especificas para o transporte urbano de passageiros. “Por exemplo, num aeroporto, o ônibus transporta os passageiros para o avião, volta e carrega de novo num supercapacitor. Não precisa instalar ‘200 baterias’, que aumentam o peso e o preço do ônibus. A estrutura é mínima e podemos entregar um ônibus superluxuoso. Por ser monobloco, podemos construir um carro com piso baixo, que oferece uma série de benefícios para a comodidade do usuário. Estamos montando pacotes e modelos que dão certo para cada necessidade de aplicação”, informa.

Para a aplicação de um projeto com supercapacitor, Barella acredita que o investimento em infraestrutura também pode ser absorvido pelos empresários, em alguns casos. “Aquele que possui a concessão de uma linha por 20 ou 30 anos pode fazer o investimento na infraestrutura do supercapacitor e recuperar através do consumo de energia na operação. É uma questão de fazer conta. Essa é a nossa função, mostrar isso para o empresário”, destaca.

Segundo o executivo, o elétrico não pegou antes por causa disso. “Porque o empresário tem medo de ficar na mão. Ele não tem segurança com relação ao tempo de carregamento da bateria. A operação tem uma série de variáveis como aclives, tempo de circulação, temperatura, ambiente, motorista, peso, etc – que podem influir no consumo. Não é fácil, precisa entender o tipo da operação,” diz.

O mais importante, inicialmente, será estabelecer cases que sirvam de exemplos para outros mercados. “O Chile, por exemplo, recebeu 200 unidades de elétricos da BYD e da Yutong. Então, a gente também quer entrar no Chile. Ter um case no Brasil ajudaria muito. A gente apresenta nossas opções, o empresário ou autoridade que quer ver a aplicação sobe num avião e vem ver uma operação modelo aqui”, adianta. “O frotista, aqui, gosta de monobloco. Pode perguntar para qualquer dono de frota”, completa.

Os custos de investimentos em produtos chineses também são muito interessantes para os empresários, argumenta. “Na Europa, qualquer ônibus elétrico sai por mais de 500 mil euros, mas na China vai custar US$ 250 mil”, compara. Em muitos lugares da China, o governo só compra ônibus elétricos. Portanto, já existe uma frota circulante madura dos produtos chineses elétricos.

“Se o cliente pergunta em quanto tempo eu faço 150 ônibus, vou pedir 30 dias de prazo. E se ele quiser 250 unidades? Eu vou pedir 40 dias. Temos capacidade para isso”, sustenta. O mercado brasileiro vai ser desenvolvido sob demanda. O executivo revela suas expectativas para o mercado nacional de ônibus. “A tendência das fabricas de chassis seria fornecer o powertrain, com eixos, caixa e motor. O problema das marcas é que caminhões são a prioridade. Ônibus representa pouco no faturamento”, conclui.

Política de mercado

“Tanto na China, como na Europa, a tendência é trabalhar com monobloco. Afinal, você tem um carro mais estruturado e mais leve, que torna a operação do cliente mais eficiente”, destaca Marcelo Barella, diretor de Operações para a América Latina da Higer Bus. Segundo ele, essa é uma questão política de como entrar no mercado. “Por exemplo, hoje, a Marcopolo está tão bem estruturada que não precisaria de ninguém para fazer ônibus. Ela conseguiria fazer o seu monobloco, comprar os eixos da Dana, ZF ou da Randon para seu produto, como ela fez com a Volare. A Volare só não faz tudo dessa forma porque o lobby da indústria de chassis é muito forte. Isso, sem falar que muitos desses empresários também são donos de revendas”, esclarece.

Barella segue explicando. “Se há um mercado que te permite ser competitivo, como é o de ônibus elétricos, onde as taxas de importação são muito menores, podemos introduzir um conceito completamente novo”. Atualmente, a montadora chinesa possui capacidade instalada para produzir até 40.000 unidades/ano. São três fabricas, sendo uma principal, com 900.000 m2, uma planta exclusiva para a joint-venture com a Scania, e uma unidade dedicada à produção de vans.

“Nossa capacidade de produção é muito grande. Para ter um projeto de CKD ou de produção em outro mercado, essa nova unidade precisa gerar muita venda. Teria que produzir, pelo menos, 5 ou 6 mil unidades/ano. A Marcopolo não vende isso”, justifica. A Higer considera que mesmo a instalação de uma fábrica seja um projeto de longo prazo, pois o Brasil possui um cenário bastante instável política e economicamente.

“Não se sabe o que vai acontecer com o dólar, ainda não temos uma orientação do que será feito com a política de comércio exterior. E não se consegue trazer um projeto para cá, inteiro. A fábrica quer ganhar lá. Então, a gente vai entrar no Brasil se conseguir, dessa maneira”, pondera.

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