As contradições dos combustíveis limpos

kenworth_h2

Canal MTED no YouTue

Hoje, no mundo, há cerca de 1,2 bilhão de veículos em todo o planeta, sendo a grande maioria deles a combustão, promovendo a queima de gasolina ou óleo diesel.

O hidrogênio é o elemento mais abundante da Terra e, por isso, é visto como uma das soluções mais eficientes para a descarbonizarão do transporte para o futuro e que já está em curso, embora, ainda em volumes pouco expressivos. Um veículo elétrico com células de combustível a hidrogênio ou puramente a hidrogênio expele apenas um inofensivo vapor de água.

O desenvolvimento de sistemas e novas tecnologias é caro e, muitas vezes, demorado, assim como uma linha do tempo para a popularização dessas novas soluções. Por outro lado, os recursos naturais estão aí. No caso do hidrogênio, melhor ainda, porque ele não demanda uma exploração exagerada de uma mineração. Não se precisa invadir territórios.

Já vimos em outros vídeos, aqui, do Canal MTED, que o hidrogênio é a principal aposta da indústria para superar a barreira dos 1.000 km de autonomia em motores elétricos e os engenheiros químicos das montadoras chegarão a essa solução, seguramente. A facilidade em obter o hidrogênio para abastecer tanques é tão fácil e barata que as empresas do setor asseguram que, futuramente, a conta do TCO (Custo Total de Propriedade) vai fechar sem grandes malabarismos.

Afinal, hoje, os clientes dos veículos comerciais elétricos são, majoritariamente, as megacorporações que possuem compromissos formais com a descarbonização de suas operações. Por isso, vemos que o desenvolvimento de veículos comerciais nessa direção tem um apelo muito maior do que no automóveis e motocicletas por exemplo. Por isso, também, que vemos o setor de caminhões na frente do de ônibus para a eletrificação do transporte. Os modais aéreo, ferroviário e aquaviário também se desenvolvem nessa direção.

Basicamente, a grande maioria dos países aposta boa parte de suas fichas no transporte para combater as mudanças climáticas, já que os veículos a combustão já poluíram muito e mesmo com o significativo avanço das tecnologias de controle das emissões, a meta é despoluir completamente. O que a humanidade foi capaz de poluir o nosso planeta nos últimos 150 anos, ou menos do que isso, já apresenta consequências irreversíveis para a Terra pelos próximos séculos. Por isso, acelerar o desenvolvimento dessas novas tecnologias e apoiar as políticas públicas efetivas neste sentido se faz tão importante.

Ainda assim, apesar de ser uma saída estratégica para o setor de transportes, o hidrogênio está longe de ser uma solução mágica e, atualmente, ele é muito usado para apoiar os trabalhos em refinarias e fabricação de fertilizantes, sendo produzido a partir de gás natural ou carvão, o que neste caso, sabemos das desvantagens. Afinal, esse processo polui o ar, aquece o nosso planeta, ao invés de salvá-lo.

Por isso, não basta termos veículos elétricos ou a hidrogênio para salvarmos o planeta. Precisamos garantir que as matrizes energéticas também sejam limpas, sustentáveis e que dispensem a tragédia regional de uma instalação de uma hidrelétrica por exemplo. A responsabilidade deve começar na geração da energia elétrica, passando pela forma de distribuição, até o momento de recarregar as baterias dos veículos.

Pesquisadores das universidades Cornell, de Nova Iorque, e Stanford, da Califórnia, ambas nos Estados Unidos, descobriram que a maior parte da produção de hidrogênio emite dióxido de carbono, o que significa que o transporte movido a hidrogênio ainda não pode ser considerado energia limpa.

Os setores responsáveis preveem um uso crescente de eletricidade eólica e solar, que podem separar o hidrogênio e o oxigênio da água. Como no caso de qualquer nova tecnologia, voltamos para a questão do custo, já que essa forma de produzir hidrogênio somente deve se tornar um processo mais limpo e menos caro com ganho de escala.

Temos acompanhado uma série de iniciativas, sobretudo na Alemanha e nos Estados Unidos, que preveem a construção de uma ampla rede de abastecimento de hidrogênio, permitindo com que clientes possam operar com suas frotas de caminhões elétricos por rotas mais longas. Em todos os casos, vemos a apresentação de uma solução inovadora e responsável em termos de cadeia de abastecimento, mas nada vemos sobre a produção de hidrogênio.

Claro que são avanços importantes e que vão ajudar muito os esforços para controlar a mudança climática no mundo. Mas, como vimos de acordo com os pesquisadores das universidades estadunidenses, ainda não podemos classificar como um transporte 100% livre de emissões, já que a geração de energia ou da produção de hidrogênio podem não ser tão ecologicamente amigáveis como se deve.

Só para citar exemplos práticos, Navistar, General Motors, Daimler, Volvo, Iveco, Nikola, Toyota e Kenworth já possuem suas estratégias para desenvolverem negócios com hidrogênio, considerando parcerias para a distribuição do hidrogênio e/ou veículos. Por isso, podemos considerar que este é o ponto de inflexão mais perto que chegamos, até o momento, para a adoção de uma tecnologia livre de emissões. Essa questão é estratégica ambientalmente e economicamente e um exemplo prático disso é que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conhecido por ser um liberal, incluiu o combustível de hidrogênio nos planos para reduzir as emissões pela metade até 2030. Recentemente, um projeto de infraestrutura aprovado pelo Senado estadunidense contempla US$ 9 bilhões em investimentos para pesquisas que visam reduzir o custo de produção de hidrogênio limpo e para centros regionais de fabricação de hidrogênio.

Outra equação que precisa fechar em qualquer TCO, é que os veículos de trabalho precisam ter a maior disponibilidade possível. Portanto, sejam taxis, caminhões ou ônibus, não se pode demorar 30, 50 minutos, duas horas, uma noite de carregamento para operar. Isso talvez sirva para o cidadão comum que tem o seu carro de passeio, mas não para quem vive disso. Não adianta dizer que um ônibus urbano poderia passar a noite recarregando sua bateria em uma tomada ou em carregador apropriado, pois essa não é uma solução escalável. Toda a frota deve ser recarregada e estar pronta para operar no dia seguinte, simples assim. Essas soluções demoradas servem, somente, como demonstração de ponto de partida e não de operação na vida real.

As soluções precisam ser efetivas em todas as suas pontas.

Você já ouviu falar de hidrogênio “azul”? Ele é feito de gás natural, só que requer uma etapa adicional. O dióxido de carbono emitido no processo é enviado para baixo da superfície da terra para armazenamento. O estudo das universidade Cornell e Stanford descobriu que a fabricação de hidrogênio azul emitia 20% mais carbono do que a queima de gás natural ou carvão para aquecimento.

Pesquisadores da indústria estão focados na eletrólise, que usa eletricidade para separar o hidrogênio e o oxigênio da água. O hidrogênio se mistura com o oxigênio na célula de combustível de um veículo para produzir energia. Como o volume de eletricidade gerada a partir de energia eólica e solar está crescendo no mundo, a eletrólise se torna mais limpa e barata.

Segundo a fabricante de motores Cummins, que fabrica eletrolisadores e sistemas de energia de células de combustível, atualmente, custa mais fazer um caminhão a hidrogênio e produzir o combustível do que colocar um caminhão a diesel na estrada. Em exemplo prático, segundo informações da Associated Press, o hidrogênio custa cerca de US$ 13 por quilo na Califórnia, e 1 quilo pode fornecer um pouco mais de energia do que um galão de óleo diesel, que custa certa de US$ 3,25 nos EUA. Ou seja, a conta da eletricidade pode fechar, mas a do hidrogênio ainda apresenta desvantagens econômicas para uma operação regular. Contudo, a previsão é de que essa disparidade seja reduzida e possa inverter ao longo dos anos.

Diante de tudo o que foi apresentado aqui, fica, absolutamente, constatada a importância de um planejamento objetivo com metas práticas e ousadas por parte do poder público, bem como investimentos em pesquisa e desenvolvimento de soluções limpas em todas as suas pontas. Isso precisa ser liderado por governos. As megacorporações envolvidas na produção e distribuição de combustíveis também precisam fazer a sua parte e estabelecer uma rede limpa de comercialização de hidrogênio e de energia elétrica. As montadoras, por sua vez, também devem desenvolver soluções limpas de transporte, mas sem negligenciar as etapas de geração e distribuição limpas de hidrogênio e de energia elétrica.

×
×

Carrinho